15 segundos
Dopamina de dose em dose
Em conversas recentes um alarme tem soado cada vez mais retumbante em meus pensamentos e observações: o modo de vida instalado na atualidade.
Outro dia recebi de um amigo um vídeo dos anos sessenta, ele era criança nesse tempo, nessa época eu ainda iria nascer duas décadas depois, mas refleti:
Antigamente por mais dinheiro que você tivesse, ainda assim as opções eram reduzidas; as mídias eram poucas; as escolhas eram limitadas…
Havia menos e não estou falando de escassez, estou falando de um modo de vida em que o menos proporcionou mais. Mais qualidade nas relações, no jeito de viver, na presença do Ser.
Você não tinha inúmeras escolhas pra fazer, elas não eram disponíveis e isso não cansava a sua mente com coisas corriqueiras, incidentes ou banais. Um livro era alta tecnologia com os seus poderes de fazer pensar e conhecer; um disco era raridade que aproximava do universo musical; as mídias: jornal, rádio e televisão embora tivessem o poder de impor seus pontos de vista e manobrar a opinião conforme seus interesses, ainda assim eram um grande filtro do excesso de informação e dos terabytes de lixo digital que são produzidos hoje ao bel prazer por influenciadores, pseudo celebridades e poderosos ou pascácios com meios de persuadir. O cinema era mesmo uma sétima arte, um evento especial e marcante.
Sobre cinema te recomendo a leitura deste texto do meu amigo de escola, João Fagner.
Veja bem, eu não estou aqui para falar mal do presente e vangloriar o passado não, eu trouxe esse texto para contrapor realidades e a qualidade/experiência do tempo e a forma de viver. O tempo nosso de cada dia nos dai hoje. A maneira de viver a nossa vontade. Independente de ser passado ou presente temos escolhas e é sobre elas que quero expandir.
É mais fácil escolher um em três ou um em cem?
Basicamente é isso percebe? Em um ambiente limitado você tem mais foco, mais dinâmica, mais posicionamento, mais presença. Em um ambiente ilimitado você perde a concentração, tem menos desenvolvimento, menos colocação, menos permanência.
O excesso causa distúrbios. Por exemplo: se antes você tinha uma tv por mais que fosse viciado nela, pela diversidade da programação ela não te prendia em ciclos dopamínicos de 15 em 15 segundos. Se você tinha um videogame por mais horas que o jogo te envolvesse: uma hora ele chegava ao fim, concluindo a sua narrativa e o seu ápice; hoje os jogos são propositalmente intermináveis, psicoviciantes e frenéticos.
A tecnologia passada era analógica, material, com dispositivos físicos, e também era limitada. No tempo do meu irmão jogávamos videogame no fliperama, no meu, nas lojinhas que vendiam a hora do jogo; depois com mais disponibilidade o videogame estava na sala de casa, os jogos passaram a ser alugados no fim de semana, depois baratearam (piratearam) e suas quantidades supriam os títulos para aluguel.
Percebe o que se passou aqui?
Mesmo para usufruir da tecnologia tínhamos que sair de casa, reunir pessoas, interagir com os outros. Hoje não é mais necessário, fica tudo entre o olho, a tela e a virtualidade em um mundo paralelo: o mundo virtual e infinito.
Nós somos uma geração híbrida, filhos e pais de uma transição acelerada e em constante transformação entre o mundo físico e o mundo virtualizado; entre os estados da calma e da ansiedade, procurando uma forma de ser e viver em uma sociedade desequilibrada. Nós somos desequilibrados com mais poder para nos deprimir.
Quando paro para fazer essas reflexões existe sempre um fator comum que atravessa todo esse sistema e essas convulsões, o Homem e a sua essência. De onde minha consideração alcança o seguinte pensamento:
A tecnologia é como o dinheiro, não é ela que é mal, depende do caráter e da sanidade de quem a manuseia.
Óbvio que eu não sou contra a tecnologia, estou usando ela para chegar até você e considero isso bom quando traz algo que acrescenta bons valores, boas ideias e expansão de consciência; eu me tornei vegano por exemplo tendo acesso a internet, informações que jamais chegariam até a mim pelo poderio daqueles que escondem as barbáries e que atuam para manter a ignorância. A minha crítica é sobre a direção que estamos tomando… é um efeito manada que surrupia a todos, desde o meu amigo dos anos 60, aos meus pais, meus irmãos, meus sobrinhos, meu filho… e é aí que me preocupo mais ainda.
As gerações mais novas sofrem e nós adultos precisamos mudar o curso dessa notável angústia coletiva.
Se no meu tempo tínhamos um único horário para assistir desenho animado, hoje eles estão expostos aos montes, se acompanhávamos uma história do início ao fim do desenho por dias, semanas, meses… hoje as histórias vão do início ao fim em 5 minutos. Ver um filme de 2 horas hoje virou um grande desafio para as gerações mais novas que estão viciadas em picos de dopamina de 15 em 15 segundos. Não tá legal?! Pula, passa pro próximo. Não é idiota o suficiente?! Tem algo mais bizarro a seguir.
A multiplicidade de opções está criando pessoas frágeis, sem determinação e foco.
Temos nos conectado a internet e nos desconectado de nós mesmos e isso me preocupa. Temos nos isolado e na solidão dos dias atuais é fácil se idiotizar antes de reagir, é fácil perder horas improdutivas ao invés de reagir criativamente ao tédio.
A criatividade está ameaçada pela comparação. A comparação está matando o potencial de gênios que ainda não se descobriram no tempo vazio, esse vazio está gritando e tomando a todo custo o dia a dia das pessoas, que pela palma da mão não conseguem mais se descobrir, se despertar, se revelar… o smartphone é perigoso! Cuidado ele vai te distrair e eu não posso fazer nada além de te escrever, eu não posso pegar na sua mão por essa tela.
Você tem que se levantar, se encontrar sem procurar no Google, procure em si mesmo. Você vai achar coisas incríveis em espaços que você sequer sabia como acessar. Tente, resista, persista e se encontre. Ninguém mais é capaz de fazer isso por você. Quer mudar seus hábitos e viver de um jeito diferente? Desafie a si mesmo, saia e vá viver.
O tempo em que vivemos não é imutável, mas se você não fizer nada, tudo seguirá como é. Você está feliz assim? Você está fazendo o bem assim? Cuidado com a sua conformidade e a sua ausência. Uma vez li uma frase inspiradora:
Somos responsáveis pelo mal que fizemos e pelo bem que deixamos de fazer.
É certo: nós não vamos conseguir mudar tudo, somos limitados, não espere que a multidão mude, que o mundo se encaixe. Isso não vai acontecer, mas a diferença em seu meio e para os que convivem com você, isso você pode fazer… se não conseguir fazer pelo outro, faça a si mesmo e o seu exemplo irá reverberar aos que são capazes de te enxergar.
Para viver com saúde, você tem que se conectar a sua essência. O que está fora não te pertence. Conecte-se ao que te faz bem!
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Bônus
Deixo aqui uma nova dica de leitura que o João escreveu sobre a cultura nerd atual e os nerds de outrora. Nesse texto é possível identificar que há muita influência interferindo na criação, não é mais a arte em si… é uma arte usurpada. Penso que os holofotes estão no foco errado. Conversando com ele descobri que textos como os dele e textos como os meus acabam no submundo da internet, lugar escondido onde os questionadores tentam falar com o mundo real, ambiente dos que firmam uma opinião diferente das massas e daqueles que tentam quebrar a matrix. Pensamos, logo existimos, só não encontramos ainda a forma de melhorar o sistema.